As Receitas da Avó Cila e uma despedida

Os sonhos de natal, receita da avó Cila, preparados para o natal de 2014 e com calda de laranja e vinho do Porto

Querida avó Cila, 

Ontem fomos despedirmo-nos de ti. Morreste-nos. Eu sei que estavas cansada e que estava na altura, mas nenhum de nós queria que te fosses embora já, mas assim foi. Claro que estamos tristes. Mas em vez de apenas derramarmos lágrimas é muito mais importante lembrarmo-nos de todas as coisas que vivemos juntos.

Contigo aprendi muitas coisas. Ensinaste-me a bordar, a pregar botões, a fazer casas e a cozer na máquina de costura numa altura em que todas as minhas amigas viam apenas televisão. Dizias que era importante uma menina saber fazer estas coisas. 

Foi também contigo que “ganhei” esta característica de saber sempre onde gasto todo o meu dinheiro, e de apontar todos os meus gastos. Foi contigo que aprendi economia doméstica e a gerir e aproveitar tudo ao máximo.

Contigo ganhei o gosto pela cozinha. Aprendi a fazer o teu Bolo de Laranja, os teus sonhos, os teus croquetes de batata, o teu frango grelhado, as tuas felhós de Natal entre tantas outras coisas…

Lembro-me de me ensinares a procurar por entre as almofadas do sofá da sala, as moedas que o avô deixava cair dos bolsos durante a sesta. Ou das listas de “pecados” que me fazias fazer antes de irmos confessar e à missa à sexta feira – e como eu não gostava nada desse programa. De rezar o terço às 18h30 pela rádio Renascença, enquanto tu aproveitavas esse tempo para passar a ferro.

Lembro-me de chegar das férias na praia e encontrar sempre uma camisa de dormir nova feita por ti. E de mais tarde me fazeres vestidos de acordo com os modelos que eu te pedia.

A fatiota mais bonita que a minha Barbie tinha era um conjunto saia-casaco, vermelho de fazenda, com um casaco perfeitinho que eu te “obriguei” a fazer.

Não havia nada que eu gostasse mais do que as nossas conversas depois de almoço, com o cafezinho e um bocadinho de bolo. Dos conselhos e das confidências. E da alegria dos teus olhos no dia em que soubeste que ias ser bisavó!

E a história do jantar só de doces que fizeste uma vez para os amigos da mamã, de como eras até muito “moderna” para a idade e dizias coisas tão inteligentes como “os homens não precisam de saber tudo”!

Agora que cá não estás – mas, onde quer que estejas estarás sempre a olhar por nós – quero apenas e só lembrar-me de como gosto de ti, de como me ajudaste a tornar a mulher que sou hoje.

Eras a doçura a pessoa, e só não fazias por nós o que não podias. É por isso que acredito que tinha chegado a tua hora. Porque se pudesses tu tinhas ficado por cá mais algum tempo apenas para nos veres a todos felizes.

Obrigada por teres sido a melhor avó que alguém podia ter. E agora aí de cima feita estrelinha – como eu disse ao Zé Maria – olha por todos nós.

Um beijinho doce avó. Vais fazer-me muita falta.

Bolo de Laranja da Avó

Croquetes de Batata da Avó Cila 

Sopa de Abóbora e Coentros da Avó 

Sonhos de Natal da Avó 

65 respostas

  1. Já me vieram as lágrimas aos olhos. Também aprendi muito com a minha avó. Fica cá sempre muito dos que partem. Obrigada pela partilha. Grande beijinho.

  2. Que as memórias continuem sempre presentes bem como todos os bons momentos. Tive pena de não conhecer as minhas avós e avôs. Mas compreendo a dor de perder alguém de família, os meus pais, com quem aprendi muito. Um grande beijinho e força! Sara Oliveira

  3. A forma mais sábia que temos de imortalizar os que já partiram é dar voz a tudo o que com eles aprendemos. Essa é a maior homenagem que pode prestar à sua querida avó. É sinal que ela continua viva dentro de si.
    Um beijinho de conforto

  4. Querida Joana,

    fiquei com um nó na garganta, também eu tenho uma avó com quem mantenho uma relação assim e nem quero imaginar o momento em que tenha de partir…
    Faço minhas as palavras deixadas acima pela Miss Smile e deixo-lhe um beijinho.
    Raquel
    (P.S. – gosto muito da nova apresentação do blog)

    1. Obrigada Raquel.
      Há coisas que nem vale a pena pensar… só mesmo aproveitar as pessoas enquanto as temos ao pé de nós.
      Um beijinho,
      Joana

  5. Um beijinho Joana.
    Para lhe dizer, também, que gosto da nova "cara" do Blog. Está muito fresco, lembra a Primavera…

    Beijinhos 🙂

  6. Que texto lindo ! Podia ter sido eu a escrevê-lo às minhas avó e tia – avó . Tb me ensiram tanto e continuo sentir lhes à falta mas , face à inevitabilidade, o mais importante é termos tido a fortuna de ter estas pessoas tão especiais nas nossas vidas . Força e um grande abraço

  7. Querida Joana, não podemos manter sempre junto a nós quem mais amamos, mas as lembranças são eternas, são a herança mais valiosa, especialmente quando são tão simples e especiais. Um grande beijinho. Marta

  8. Muito bonita esta forma de homenagem. Como me identifiquei com este relato de meninice e a relação neta-avó. Também tive esse privilégio. Um beijinho, Joana.

  9. Joana é muito triste perdermos uma avó tão querida como a sua…como a minha também era mas os seus ensinamentos ficam para sempre!muita força e um beijinho

    Catarina

  10. Joana,
    Sigo o blog há muito tempo mas nunca tinha comentado, hoje era inevitável. Há conceitos de avó que são universais. Revi-me muito nas suas palavras e memórias que, felizmente, ainda partilho com a minha avó.
    Um beijinho muito grande! Há estrelinhas que vão sempre olhar por nós

  11. Os meus sentimentos Joana 🙁 Nem consigo imaginar perder a minha avó (e bisavó, que ainda tenho bisavó!). A dor não deve ter fim, mas é como disseste: relembrar o momentos bons. E foi uma bela homenagem esta tua publicação…
    Um grande beijinho

  12. Joana,
    Também tive a sorte de ter tido uma avó assim. Já nos despedimos dela há uns 4 anos. Hoje sei que vou passar o dia a pensar nisto… E, ao ler-te, fartei-me de chorar.
    Um beijinho, marta.
    (o blog está lindo!)

  13. Sinto muito Joana…
    temo também por essa perda inevitável. A descrição que fazes das actividades com a tua avó, são quase iguais às que tenho com a minha "vó".
    Abraço.

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